#Stella Cristiani Gonçalves Matoso
Série “Microrganismos do solo: os aliados do agricultor”
(Re)conhecendo os microrganismos do solo e as suas múltiplas funçõesFigura 1 – Nódulos em raiz de soja. Foto de João Henrique Nicola Gervásio.
Louis Pasteur, cientista que descobriu o processo de pasteurização, afirmou que “o papel dos infinitamente pequenos é infinitamente grande”. No solo e na agricultura esta afirmação é pura verdade! O uso de microrganismos na agricultura se popularizou com o controle biológico de pragas e doenças e com a fixação biológica de nitrogênio (FBN), devido ao seu baixo custo, elevada eficácia e reduzido impacto ambiental. Neste texto vamos tratar dessas e de outras possibilidades de uso de microrganismos na agricultura.
Todo sojicultor conhece os nódulos que se formam nas raízes das plantas de soja (Figura 1) e sabe que é nessas estruturas que a mágica acontece. Os nódulos são estruturas especializadas, que contêm bactérias diazotróficas capazes de fixar o nitrogênio do ar e disponibilizá-lo às plantas. Este processo ocorre de forma natural com as bactérias presentes no solo. Porém, para melhores rendimentos, são selecionadas espécies e estirpes de bactérias mais eficientes para cada cultura. Por isso, se faz necessário o processo de inoculação (Figura 2) das bactérias selecionadas.
Figura 2 – Inoculante turfoso contendo bactérias Rhizobium tropici (A) e sementes de feijoeiro inoculada e prontas para o plantio (B). Fotos de Stella C. G. Matoso.
Na cultura da soja a prática de inoculação dispensa totalmente a adubação nitrogenada. Em Rondônia esse resultado é muito importante, pois o custo do transporte encarece os adubos. Considerando a necessidade de nitrogênio para a cultura da soja, a produtividade atual em Rondônia e o custo atual da ureia no Cone Sul do Estado, observamos que a quantidade de adubo mineral necessária para 1 ha custaria cerca de R$ 3.434,00, enquanto o inoculante custa de R$ 6 a 14 por hectare.
Temos que lembrar que a soja é o caso de maior sucesso na FBN, mas não é o único! Outras plantas conhecidas como leguminosas, como o feijão, amendoim, crotalária etc. possuem capacidade de estabelecer simbiose com as bactérias diazotróficas e se beneficiar da FBN. Nas culturas chamadas de gramíneas, como as braquiárias, milho, milheto, arroz, sorgo, cana-de-açúcar etc. também ocorre o processo de FBN, mas sem a formação de nódulos nas raízes.
Com a inoculação das diversas culturas, a redução na adubação nitrogenada varia de 30 a 50%, com exceção da soja e da cana-de-açúcar, que possuem alta eficiência no processo e podem dispensar totalmente essa adubação. Infelizmente os inoculantes comerciais existentes abarcam apenas 1% das espécies e estirpes que possuem resultados de pesquisa positivos. No quadro abaixo, elencamos as espécies recomendadas para as culturas de importância no Estado de Rondônia, para as quais existem inoculantes comerciais autorizados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
Nome comum |
Nome científico |
Bactéria(s) autorizada(s)1 |
Amendoim |
Arachis hypogaea |
Bradyrhizobium sp. |
Estilosantes |
Stylosanthes spp. |
Bradyrhizobium japonicum |
Feijão |
Phaseolus vulgaris |
Rhizobium tropici |
Feijão caupi |
Vigna unguiculata |
Bradyrhizobium sp. |
Feijão guandu |
Cajanus cajan |
Bradyrhizobium sp. |
Soja |
Glycine max
|
Bradyrhizobium japonicum e Bradyrhizobium elkanii |
Gramíneas (arroz, braquiárias, milho, milheto, sorgo etc.) |
- |
Azospirillum brasilense |
1 Para cada cultura são recomendadas cepas específicas.
Nem só de FBN vive a relação microrganismo-planta! Com o avanço das pesquisas, vários processos vêm sendo descobertos. Hoje conhecemos a fitoestimulação, a solubilização de fosfatos e o antagonismo a patógenos. Assim, surgiu o termo microrganismos promotores de crescimento de plantas e os estudos com a coinoculação, que consiste na inoculação de mais de uma espécie para garantir os vários processos simultâneos. As coinoculações mais comuns são de Bradyrhizobium com Bacillus, ou de Bradyrhizobium com Azospirillum, porém são muitas as possibilidades a serem exploradas. E o próprio produtor pode se tornar pesquisador nesse processo. No quadro abaixo podemos verificar as bactérias existentes em inoculantes comerciais e os processos que elas atuam.
Bactéria |
Processo(s) |
Bacillus megaterium, Bacillus subtilis, Bacillus pumilus e Bacillus amyloliquefaciens |
Fixação biológica de nitrogênio, fitoestimulação, solubilização de fosfato e antibiose |
Pseudomonas fluorescens |
Solubilização de fosfato e antibiose |
A fitoestimulação é a capacidade de produção de fitormônios de crescimento de plantas, como auxinas, giberelinas e citocininas, que induzem a planta a crescer, e etileno, que atua como mediador nas vias de sinalização hormonal de processos como a germinação de sementes, crescimento de pelos radiculares e nodulação. Portanto, a inoculação de bactérias com essa capacidade resulta em maior crescimento das plantas em uma mesma condição de fertilidade do solo.
A solubilização de fosfatos, como o próprio nome diz, é a transformação do fósforo de uma forma insolúvel (indisponível) para uma forma solúvel (disponível às plantas). As adubações mais pesadas em Rondônia são feitas com fósforo, o que torna o custo de produção bastante alto (por exemplo, o custo atual de aplicar 100 kg de P2O5 na forma de fosfato monoamônico - MAP - no Cone Sul de Rondônia é de R$ 1.768,00). Isso ocorre, não porque o fósforo seja o elemento mais requerido pela planta, mas sim porque o solo retém altas quantidades de fósforo em formas indisponíveis, devido ao processo conhecido como fixação de fosfato. Assim, é de extrema importância usar os microrganismos que têm a capacidade de solubilizar os fosfatos.
O antagonismo a patógenos, ou seja, a ação contrária de um microrganismo que não causa doenças em plantas em relação a outro que causa, ocorre pelos processos de antibiose (liberação de substâncias por uma espécie que inibe o desenvolvimento de outra), de competição por nutrientes e de competição por sítios de colonização. Assim, com a inoculação de microrganismos capazes de defender a planta, cria-se uma barreira protetora em volta das raízes que dificultam o desenvolvimento dos organismos que causam doenças ou danos às plantas.
Até o momento tratamos apenas de bactérias, mas também existem fungos, que podemos encontrar na forma de inoculantes comerciais, que elevam a produtividade das culturas. Os fungos micorrízicos arbusculares, por exemplo, se associam às raízes das plantas, aumentando o sistema radicular em mais de 800 vezes. Desse modo, aumentam a absorção de água e nutrientes, principalmente daqueles pouco móveis no solo, como fósforo e cálcio. Atualmente, existe apenas uma espécie presente em inoculante comercial no Brasil, Rhizophagus intraradices, porém o potencial de espécies é muito maior, como podemos visualizar na Figura 3.
Figura 3 – Efeito da inoculação de fungos micorrízicos arbusculares no cresecimento de plantas de girassol (Helianthus annuus). Da esquerda para direita temos os seguintes tratamentos: (T05) controle (sem inoculação), (T06) inoculação com Funneliformis mosseae, (T07) inoculação com Gigaspora gigantea e (T08) inoculação com ambas as espécies. Foto de de Tancredo Augusto Feitosa de Souza.
Outras espécies de fungo estão disponíveis no mercado, podendo atuar no processo de fitoestimulação e no antagonismo a patógenos, como podemos verificar no quadro abaixo.
Fungo |
Processo |
Efeito |
Pochonia chlamydosporia |
Parasitismo |
Controle de nematóides de galhas |
Trichoderma harzianum, Trichoderma asperellum, Trichoderma viride |
Competição por espaço e nutrientes, parasitismo, antibiose, indução de resistência da planta, solubilização de fosfatos e fitoestimulação |
Controle de nematóides e fungos fitopatogênicos, promoção de crescimento de plantas |
Como vimos, sobre os microrganismos do solo temos muito o que conversar! Como não seria possível abordar tudo em um artigo apenas, vamos fazer uma série de publicações para trazer mais informações sobre estes processos microbianos. Fique atento(a) e acompanhe nossas publicações aqui na revista!
Autoria de:
Stella Cristiani Gonçalves Matoso¹; Angelita Aparecida Coutinho Picazevicz²; Erica de Oliveira Araújo¹; Roberta Carolina Ferreira Galvão de Holanda¹; Rosalba Ortega Fors³; Jessica Danila Krugel Nunes4;
¹ Professora Doutora do Instituto Federal de Rondônia, Campus Colorado do Oeste;
² Professora Doutora do Instituto Federal de Rondônia, Campus Cacoal;
³ Doutora em Ciência do Solo pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro;
4 Professora Mestra e Doutoranda do Instituto Federal de Rondônia, Campus Ariquemes.
Contato: gpsam.colorado@ifro.edu.br
Stella Cristiani Gonçalves Matoso